por Thierry Meyssan
A crise síria mudou de natureza. O
processo de desestabilização que devia abrir a porta a uma intervenção
militar legal da Aliança atlântica falhou. Tirando a máscara, os Estados
Unidos evocaram publicamente a possibilidade de atacar a Síria sem o
aval do Conselho de Segurança, como fizeram no Kosovo. Seria fingir
ignorar que a Rússia de Vladimir Putin não é a de Boris Yeltsin. Após se
ter assegurado do apoio chinês, Moscovo disparou dois tiros de aviso em
direcção a Washington. A continuação das violações do direito
internacional pela Otan e pelo CCG arrisca agora abrir um conflito
mundial.
Rede Voltaire | Damasco (Siria) | 3 de Julho de 2012
Aquando da celebração da vitória contra o nazismo, a 9 de Junho último,
o Presidente Vladimir Putin insistiu na necessidade para a Rússia de estar
pronta para novos sacrifícios.
O presidente Vladimir Putin inaugurou o
seu terceiro mandato sob o signo de afirmação da soberania do seu País
face às ameaças diretamente lançadas contra a Federação Russa pelos
Estados Unidos e pela Otan. Moscovo denunciou muitas vezes o alargamento
da OTAN, a instalação de bases militares junto ás suas fronteiras e a
implantação do escudo anti-míssil, a destruição da Líbia e a
desestabilização da Síria.
Nos dias seguintes à sua entronização, o
Sr. Putin passou em revista a indústria militar russa, as suas forças
armadas e o seu dispositivo de aliança [1]. Ele manteve esta mobilização
escolhendo fazer da Síria a linha vermelha a não ser cruzada. Para ele,
a invasão da Líbia pela Otan é comparável á da Checoslováquia pelo III
Reich, e a da Síria – se viesse a ocorrer – seria comparável á da
Polónia que desencadeou a 2ª Guerra Mundial.
Toda a interpretação do que se passa no
Levante em termos de assuntos internos Sírios e de revolução/repressão é
não somente falso, mas irrisório em relação às verdadeiras manobras e
deriva da simples comunicação política. A crise síria é antes de mais
uma simples etapa da «remodelação do Médio-Oriente alargado », uma nova tentativa de destruir o «eixo da Resistência», e a primeira guerra da «geopolítica do Gás Natural»
[2]. O que se joga atualmente na Síria, não é saber se Bachar el-Assad
irá democratizar as instituições que recebeu de herança ou se as
monarquias waabitas do Golfo irão destruir o último regime laico da
região e impor o seu sectarismo, mas que fronteiras separam os novos
blocos, Otan (Organização do Tratado do Atlântico-Norte) e OCS
(Organização de cooperação de Shangai ) [3].
Alguns dos nossos leitores tiveram
provavelmente um sobressalto à leitura do parágrafo anterior. Com
efeito, há meses, que os medias ocidentais e do Golfo martelam
diariamente que o Presidente el-Assad incarna uma ditadura sectária em
proveito da minoria Alouita, enquanto a sua oposição armada incarna a
democracia pluralista . Um simples olhar sobre os acontecimentos basta
para desacreditar esta apresentação mentirosa. Bachar el- Assad convocou
sucessivamente eleições municipais, um referendo e eleições
legislativas . Todos os observadores foram unânimes em afirmar que os
escrutínios decorreram de forma limpa. A participação popular atingiu
mais de 60% enquanto os ocidentais as qualificaram de «farsas» e a
oposição armada que eles apoiam impediu os cidadãos de se dirigirem às
urnas nos quatro distritos que controlam. Ao mesmo tempo, a oposição
armada multiplicou as ações não só contra as forças de segurança, como
contra os civis e todos os símbolos de cultura e do
multi-confessionalismo. Assassinaram os sunitas progressistas, depois
mataram ao acaso alouitas e cristãos para obrigar as suas famílias a
fugir. Queimaram mais de mil e quinhentas escolas e igrejas. Eles
proclamaram um efémero Emirato islâmico independente em Baba Amr onde
instituíram um Tribunal revolucionário que condenou à morte mais de 150
descrentes, degolados um a um em público pelo seu carrasco. E não é o
piedoso espectáculo de alguns políticos transviados, reunidos no seio de
um Conselho nacional sírio no exílio, exibindo um projeto democrático
de fachada desligado da realidade no terreno dos crimes do Exército
«sírio» livre, que irá mascarar por muito tempo a verdade. De resto quem
pode crer que o regime laico Sírio, cuja exemplaridade era gabada ainda
há pouco, teria virado uma ditadura confessional, enquanto que o
Exército «sírio» livre, apoiado pelas ditaduras wabbitas do Golfo e
obedecendo às ordens de pregadores takfiristas seria um estandarte do
pluralismo democrático?
A evocação pelos dirigentes dos EUA duma
possível intervenção internacional sem mandato da ONU, ao modo como a
OTAN desmembrou a Jugoslávia suscitou inquietação e cólera em Moscovo. A
Federação Russa, que até aqui se mantinha em posição defensiva, decidiu
tomar a iniciativa. Esta mudança estratégica deveu-se á urgência da
situação do ponto de vista russo, e à evolução favorável sobre o terreno
na Síria [4].
Moscovo propôs criar um Grupo de
contacto sobre a Síria que reuniria o conjunto dos Estados interessados,
quer dizer respectivamente os Estados vizinhos, as potências regionais e
internacionais. Trata-se de substituir por um fórum de diálogo o actual
dispositivo belicoso posto em marcha pelos Ocidentais sob o título
orwelliano de «Conferência dos Amigos da Síria».
A Rússia continua a apoiar o plano Annan
– que é de facto a retoma ligeiramente modificada do plano apresentado
por Serguei Lavrov á Liga Àrabe. Ela deplora que este plano não seja
aplicado, mas atira a culpa sobre a facção da oposição que pegou em
armas.
Segundo A.K. Lukashevich, um dos
porta-vozes do ministério dos Negócios Estrangeiros, o Exército «sírio»
livre é uma organização ilegal face ao Direito Internacional. Mesmo que
ele assassine diariamente 20 a 30 soldados sírios, ele é publicamente
apoiado pelos Estados da OTAN e do CCG em violação do plano Annan [5].
Colocando-se como pacificador face a uma
OTAN belicista Vladimir Putin pediu à OTSC para preparar a colocação de
«chapkas azuis» na Síria, tanto para separar os beligerantes sírios
como para combater as forças estrangeiras. Nicolai Bordyuzha,
secretário-geral da OTSC, confirmou que dispunha de 20 000 homens
preparados para este tipo de missão e disponíveis no imediato [6]
Seria a primeira vez que a OTSC
colocaria uma força de paz fora do antigo espaço soviético. Picado em
cheio, o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon tentou sabotar esta
iniciativa propondo-se subitamente organizar ele também um grupo de
contacto.
Reunindo em Washington o grupo de
trabalho sobre as sanções da Conferência dos Amigos da Síria, a
secretária de Estado dos E. U. Hillary Clinton ignorou a proposta russa e
reforçou a favor duma mudança de regime. [7]
Na Turquia, parlamentares da Oposição
visitaram os campos de refugiados sírios. Eles constataram a ausência de
mais de um milhar de refugiados registados pelas Nações Unidas no campo
principal e, pelo contrário, a presença de um arsenal no campo.
Interrogaram então na Assembleia o Primeiro-ministro Recep Tayyp Erdogan
exigindo que ele revele o montante de ajuda humanitária atribuída aos
refugiados fantasmas.
Os deputados consideram que o campo de
refugiados é uma cobertura para uma operação militar secreta. Ele abriga
na realidade combatentes, principalmente líbios, que o utilizam como
base de retaguarda. Os deputados colocaram a hipótese que estes
combatentes sejam os que se infiltraram no distrito de Houla quando o
massacre foi ali perpetrado.
Estas informações confirmam as acusações
do embaixador russo no Conselho de segurança, Vitaly Churkin, segundo
as quais, o representante especial de Ban Ki-moon na Líbia, Ian Martin,
utilizou os meios da ONU destinados aos refugiados para encaminhar para a
Turquia combatentes da al-Kaida [8].
Na Arabia-Saudita, a fractura entre o
Rei Abdallah e o clã dos Sudeiris manifestou-se de novo. A convite de
Abdallah 1º, o Conselho dos Ulemas publicou uma fatwa estipulando que a
Síria não é uma terra de jihad. Mas, ao mesmo tempo, o príncipe Faisal,
ministro dos Negócios Estrangeiros apelava a armar a oposição contra o «usurpador Alouita».
O dia de quinta-feira 7 de Junho foi
rico em acontecimentos. Enquanto Ban Ki-moon e Navi Pillay,
respectivamente Secretário-geral e Alto-comissário para os Direitos do
homem, apresentavam a sua acusação contra a Síria diante da Assembleia
geral da ONU, Moscovo procedia a dois tiros de mísseis balísticos
intercontinentais.
O míssil Bulava tira o nome de uma antiga maça de arma eslava que servia de bastão de marechal dos exércitos cossacos.
O coronel Vadim Koval, porta-voz do RSVN
admitiu o teste de um Topol —lançado de um silo perto do Cáspio— , mas
não confirmou o de um Boulava a partir de um submarino no Mediterrâneo .
No entanto o disparo foi observado em
todo o Próximo-Oriente, de Israel à Arménia, e não existe nenhuma outra
arma conhecida que possa deixar tais rastos no céu [9].
A mensagem é clara: Moscovo está pronto
para a guerra mundial, se a OTAN e o CCG não se conformarem às
obrigações internacionais, como as definidas pelo plano Annan, e
persistam em alimentar o terrorismo.
Segundo as nossas informações este tiro
de advertência foi coordenado com as autoridades sírias. Da mesma forma
que Moscovo tinha encorajado Damasco a liquidar o Emirato islâmico de
Bab Amr assim que a autoridade do Presidente el-Assad foi confirmada
pelo referendo constitucional, da mesma forma encorajou o presidente a
liquidar os grupos de mercenários presentes no país assim que o novo
Parlamento e o novo Primeiro-ministro tomem posse. Foi dada a ordem de
passar de uma posição defensiva para acção ofensiva para proteger a
população do terrorismo. O exército Nacional passou pois ao ataque aos
bastiões do Exército «sírio» livre. Os combates dos próximos dias
anunciam-se difíceis, tanto mais que os mercenários dispõem de
morteiros, mísseis anti-carro e agora de mísseis terra-ar.
Para fazer baixar a tensão, a França aceitou de imediato a proposta russa de participação num Grupo de contacto ad-hoc.
Washigton despachou de urgência Frederic C. Hof para Moscovo.
Contradizendo as declarações da véspera da secretária de Estado, Hillary
Clinton, o Sr. Hof aceitou pelo seu lado o convite russo.
Basta de lamentos sobre a extensão dos combates ao Líbano, ou de mentir sobre uma possível regionalização do conflito.
Depois de 16 meses em que desestabilizam
a Síria, a OTAN e o CCG criaram uma situação sem saída que pode agora
degenerar em guerra mundial.
Thierry Meyssan7 Maio: investidura do presidente Vladimir Putin
8 Maio: nomeação de Dmitry Medvedev como Primeiro-ministro.
9 Maio: celebração da vitória contra a Alemanha nazi .
10 Maio: visita do complexo militar-industrial russo.
11 Maio: recepção do presidente abkhaze
12 Maio: recepção do presidente osseta-do-sul.
14-15 Maio: encontro informal com os chefes de Estado da OTSC.
18 Maio: visita do Instituto de pesquisa de defesa Cyclone.
25 Maio: revista dos submarinos atómicos.
30 Maio: Reunião com os principais responsáveis da Defesa.
31 Maio: reunião do Conselho de segurança russo.
4-7 Junho: visita à China, cimeira da OCS .
7 Junho: visita ao Casaquistão durante o tiro de míssil Topol .
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