O Jornal O Globo foi condenado a pagar R$ 18 mil de indenização ao juiz
João Carlos de Souza Correa. A determinação foi proferida na última
quinta-feira (13/11) — um dia após a 14ª Câmara Cível do Tribunal de
Justiça do Rio de Janeiro confirmar sentença contra a agente de trânsito
Luciana Tamburini. Ela terá de indenizar o juiz em R$ 5 mil por ter
dito, em uma blitz da Lei Seca, que “ele era juiz, não Deus”.
A nova decisão foi proferida pela juíza Lindalva Soares Silva, da 11ª
Vara Cível, em uma ação movida por Souza Correa por causa de uma
reportagem publicada pelo O Globo em 17 de fevereiro de 2011. A
notícia relatava a voz de prisão dada pelo juiz a funcionários da
empresa Ampla que foram à casa dele cortar o fornecimento de energia por
falta de pagamento.
O fato ocorreu em 2006, mas foi incluído no texto que tratava de outras
confusões envolvendo o juiz: o uso irregular de giroflex no veículo que
dirigia, em 2009, e desentendimentos com turistas, em 2011, ambos
ocorridos na cidade de Búzios, onde trabalhava. A reportagem foi
publicada com chamada na capa — “Juiz dá calote e tenta prender
cobrador”.
O magistrado afirmou que “a reportagem gerou abalo a sua honra”. Ele
pediu indenização de R$ 100 mil. O jornal contestou: disse que as
informações eram verdadeiras e que o juiz era investigado pelo Tribunal
de Justiça do Rio e pelo Conselho Nacional de Justiça.
A juíza da 11ª Vara Cível não acolheu os argumentos. “Questões
envolvendo, investigações administrativas e temas quanto a sua conduta
na condução de processos na comarca de Armação de Búzios e situações
polêmicas envolvendo seu nome na aludida localidade fogem ao tema aqui
proposto apesar dos réus terem juntado aos autos documentos nesse
sentido”, escreveu.
De acordo com Lindalva, a ação discutia outros direitos. “Estamos, sem a
menor sombra de dúvida, diante de um conflito aparente de normas
constitucionais. De um lado o autor alegando violação de sua honra e
imagem pela reportagem e do outro os réus alegando liberdade de
expressão dizendo ser o fato mencionado verdadeiro”, afirmou.
A juíza ponderou que “em decorrência da grande exposição que qualquer
servidor público está exposto, são frequentes reportagens e comentários
(...) sobre sua postura na vida pública ou privada”. Na avaliação dela,
“tais tipos de reportagem jornalística podem entrar em choque com o
direito à privacidade e a honra das pessoas envolvidas, pois quem está
sendo objeto de divulgação não gosta de ver sua imagem relacionada a
eventos desabonadores.”
Para Lindalva, o jornal errou a mão. “Com a devida vênia aos réus não se
discute o direito em informar fatos que envolvem o autor, juiz, e,
portanto, mero servidor público”, disse. “Mas o dever de informar mesmo
que para a imprensa seja verídico não pode ser transmitido com emprego
de linguagem agressiva de ‘caloteiro’, até mesmo porque a palavra em
nosso idioma tem sentido pejorativo e depreciativo”, acrescentou.
Segundo a juíza, “o dever de verificação exige conduta prudente, pois
não se deve publicar a notícia no sentido de afirmar que o autor ‘dá
calote’, da maneira como foi feita, mesmo que os réus tenham absoluta
certeza que isto seja verdadeiro.”
Segundo ela, houve violação a honra e imagem do juiz, além de uso
desproporcional da linguagem "ao chamar o juiz em primeira página de um
jornal de grande circulação de ‘juiz caloteiro’ o que, por si só, já
caracteriza abuso", afirmou.
Lindalva reduziu o valor da indenização por achar “extremamente
exagerado” o valor pedido pelo juiz. A condenação foi contra a Infoglobo
Comunicação e Participações (detentora do jornal O Globo) e o
jornalista que assina a matéria, Ronaldo Braga. Cabe recurso.
O caso
No último dia 12 de novembro, a 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça
do Rio de Janeiro confirmou a sentença de primeira instância que
condenou a agente de trânsito Luciana Tamborini a indenizar o juiz em R$
5 mil. Ela disse que “ele era juiz, não Deus” depois que ele se
apresentou como magistrado ao saber que o seu carro seria rebocado. O
veículo não tinha placas e nem habilitação quando foi parado. O fato
ocorreu em 2011.
Na última sexta-feira (14/11), a Ordem dos Advogados do Brasil no Rio de
Janeiro decidiu pedir o afastamento do juiz ao Conselho Nacional de
Justiça e a Corregedoria-Geral da Justiça do Rio. “Desde que o caso do
magistrado apareceu na mídia, estamos recebendo inúmeras denúncias sobre
a postura dele. Caberá a esses órgãos investigarem e, inclusive, se for
o caso, afastarem o juiz durante esta apuração. Vamos cobrar uma
postura firme do CNJ e do TJ-RJ e ao mesmo tempo vamos garantir que o
juiz tenha todas as oportunidades de se defender, de acordo com o devido
processo legal", afirmou na ocasião o presidente da OAB-RJ, Felipe
Santa Cruz.
A decisão da OAB-RJ provocou a reação da magistratura. A Associação dos
Magistrados Brasileiros divulgou nota contra a campanha que a entidade
quer fazer para denunciar abusos de autoridades praticadas por juízes.
"A Associação dos Magistrados Brasileiros desaprova as declarações
manifestadas nessa quinta-feira (13/11), pelo presidente da Ordem dos
Advogados do Brasil — Seccional Rio de Janeiro, e condena o chamamento
para a criação de uma campanha nacional para prejudicar a imagem da
magistratura brasileira. É lamentável que a OAB-RJ tente explorar uma
conduta isolada, que compõe um processo ainda em andamento na Justiça,
para promover o linchamento moral dos magistrados, atitude que em nada
contribui para o aprimoramento do Judiciário brasileiro", diz o texto.
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