Craque emblemático da Seleção, Sócrates é um dos maiores de todos os tempos.
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| Médico e intelectualizado, Sócrates lutou pela redemocratização do Brasil. |
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Por Davis Sena Filho — Blog Palavra Livre
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Relembro o grande jogador e cidadão que
foi Sócrates. O craque de futebol, um dos maiores que vi jogar, e o
médico era um homem intelectualizado e que participou de eventos
políticos grandiosos como o Diretas Já e a Democracia Corintiana. Pagou
caro, porque parte da velha imprensa privada o perseguiu e depois o
ignorou. Contudo, impossível esquecê-lo. porque logo ele se tornou
comentarista da TV Cultura paulista e colunista da revista “Carta
Capital”, entre outros afazeres e compromissos. Lamento a morte de
Sócrates, mas o saúdo por ser um brasileiro da maior qualidade.
Sócrates, alíás, tinha em seu sobrenome a palavra Brasileiro.
Corria o ano de 1977. Eu tinha 17 anos.
Era início de ano em Brasília. Chovia muito. Época das monções no
centro-oeste brasileiro. A cidade passou por um forte período de seca,
que chegou a dar índices de umidade do ar abaixo de dez, o que faz com
que algumas escolas não abram suas portas para que as crianças não
tenham problemas respiratórios, de saúde.
É noite. Estou à frente da televisão e
aprecio um jogo de futebol. O meu time de coração é o Clube de Regatas
do Flamengo, o Rubro-Negro da Gávea. Mas os times que jogam são o
Corínthians e o Botafogo de Ribeirão Preto pelo Torneio Laudo Natel, uma
espécie de Torneio Início que existia em São Paulo antes de começar o
Campeonato Paulista
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| Raí, irmão famoso, disse: Fui um bom jogador mas meu irmão foi um gênio. |
Laudo Natel foi duas vezes governador de
São Paulo e no segundo mandato (1971/1975) foi eleito de forma indireta
pela Assembléia Legislativa, porque o Brasil estava em plena ditadura
militar. O governador paulista era homem do sistema e foi também
executivo poderoso do Bradesco, além de ter sido o braço direito do
banqueiro Amador Aguiar, proprietário do maior banco privado do País.
O jogo é duro. Os dois times se revezam
nos ataques. O Corínthians não tem mais o craque consagrado e campeão
mundial pela Seleção Brasileira em 1970, o fenomenal Rivelino, conhecido
como o Reizinho do Parque, que se transferiu para o Fluminense em 1975 e
encantou os cariocas no principal templo do futebol — o Maracanã —, com
suas jogadas geniais, de dribles curtos, lançamentos
impressionantemente milimétricos e chutes canhoteiros poderosos.
Contudo, a performance de um jogador me
chama a atenção. Ele é alto, tem mais de 1,90 metro e joga com a cabeça
sempre erguida. Apresenta para os meus olhos prazerosamente surpresos e
depois embevecidos uma técnica refinadíssima, passes longos pelo alto e
lançamentos sempre verticais, por baixo. Os chutes a gol, potentes e
certeiros, e a elegância de seus passos e corridas lembram a elegância
dos pássaros pernaltas quando estão, calmamente, em seu habitat, à
procura de comida

| Sócrates e Zico: no Flamengo contusões impediram a dupla de jogar como ocorreu na Seleção |
O jovem, prestes a se formar em Medicina,
controla o jogo, ao ponto de apenas um marcador não ser suficiente para
controlá-lo, impedi-lo de dar seqüência às suas maravilhosas jogadas.
Seus pés são pequenos para sua altura, porém seus passes são mortais, o
que propicia aos companheiros de time fazer os gols que permitam a
vitória do clube de Ribeirão Preto.
Percebo que Sócrates, que estou a ver
jogar pela primeira vez na minha vida, tem um talento ímpar, raro, e por
esse motivo se trata de um fenômeno do futebol, o esporte mais
importante e popular do planeta. O craque é um notável dos gramados,
futuro deus dos estádios e um dos mais talentosos jogadores de sua
geração e, por conseguinte, da Seleção Brasileira, que, nos idos de
1977, já escalava Zico, Falcão, Toninho Cerezo, Reinaldo, Roberto
Dinamite e o espetacular Rivelino, ainda considerado o maior craque do
Brasil, que logo deixaria de jogar em nosso País depois da Copa do Mundo
de 1978. Zico, posteriormente, seria o herdeiro da camisa 10
amarelinha.
Sócrates, o que todo mundo já sabe,
transferiu-se, em 1978, para o Corínthians. Tornou-se ídolo histórico do
clube paulista e confirmou tudo o que eu pensei sobre seu imenso
talento no decorrer daquele jogo em que ele atuou como meia-atacante do
Botafogo de Ribeirão Preto. Nos seis anos que atuou pelo alvinegro,
ganhou três campeonatos paulistas, em um tempo que as disputas estaduais
eram mais longas e muito prestigiadas. O craque liderou a Democracia
Corintiana, juntamente com Vladimir e Casagrande, e subiu nos palanques
políticos e cívicos de quando os brasileiros lutavam ainda pela total
democratização do País, que redundou nas Diretas Já.
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| Sócrates se considerava de esquerda e foi boicato pela imprensa durante anos. |
O grande jogador também era ativista
político e se mostrou um homem ligado às questões sociais e de perfil de
esquerda. Em 1984, Sócrates se transferiu para o Fiorentina, sofreu com
as contusões, além de ter problemas de coluna. Veio para o Flamengo em
1986 e jogou pouco pelo clube de maior torcida do País. Uma pena. Por
ser rubro-negro, gostaria muito de vê-lo jogar ao lado de Zico, mas as
contusões não permitiram, além de Zico também não estar bem fisicamente
naquele ano, porque ainda se recuperava de séria lesão da qual foi
vítima, em 1985, quando o jogador do Bangu, Márcio Nunes, quase o deixou
aleijado.
Foi uma pena, mas não lamento, porque vi
esse extraordinário jogador nos campos do Brasil a conduzir, a controlar
a bola e fazer com ela o que lhe aprouvesse, porque Sócrates se
agradava da bola e por isso a tratou com arte e respeito que todo craque
tem pelo povo, pelos torcedores, o que lhe dá autoridade para se sentir
como um deus dos estádios, à procura de espaço para que seu tempo nunca
seja esquecido e não acabe em nossa memória e em nossos corações. Saúde a Sócrates!



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