quarta-feira, 29 de abril de 2015

Dilma e Zuckerberg (do facebook): a foto da discórdia

21/04/2015
Cento e vinte milhões de crianças no centro da tormenta”. Assim Eduardo Galeano introduz o ensaio que muitos chegaram a denominar como uma bíblia latino-americana e que, sem lugar para dúvidas, marcou mais de três gerações. Aproveito para emitir um grande insulto à morte por levar uma das referências da literatura reflexiva de meu país. 44 anos depois de publicada “Las venas abiertas de America Latina” [As veias da América Latina], me atrevo a parafrasear Galeano para dizer que são 1200 milhões o número de pessoas na Índia ou 200 milhões no Brasil ou os mais de 600 milhões que povoam nosso continente, que estão no centro da tormenta neste momento. Tormenta tecnológica, nas mãos de grandes corporações com o Facebook encabeçando.
Surpresa, preocupação, indignação e, certamente, muitos adjetivos mais, foram gerados em muitos de nós após ter visto, no marco da Cúpula das Américas, no Panamá, uma foto da presidenta brasileiro Dilma Rouseff junto do fundador do Facebook, Marck Zuckerberg. Posam para apresentar o possível acordo de levar o projeto internet.org (invenção de Zuckerberg) ao Brasil. Projeto que consiste em levar um aplicativo móvel a seus usuários, com base na aliança de empresas de telefonia com o Facebook e outros aliados para dar acesso “grátis” a determinados sítios web, por parte de populações isoladas e com níveis altos de pobreza.
Atualmente no Brasil, a companhia de Zuckerberg tem uma experiência em Heliópolis, bairro muito pobre de São Paulo. Lá, os residentes são incentivados a usarem a maior rede social do mundo para promover negócios próprios. Aparentemente, este seria o pontapé inicial para acordos com o governo, que incluiriam até levar banda larga a lugares onde hoje não existe. Experiência que também começou este ano na Índia, onde se assegura aceso grátis ao Facebook, óbvio, AccuWheather, Wikipedia e algum outro sítio mais. Escolhidos, é claro, por internet.org (Facebook, as empresas de telefonia aliadas e os governos com quem fazem os acordos).
Concordo plenamente que se trabalhe pela inclusão digital no entendimento de que é parte inevitável da inclusão social. Levar conectividades aos lugares mais humildes é tarefa e responsabilidade dos governos. Já falamos em outras colunas sobre a inclusão digital no Uruguai, que inclui fibra ótica a quase totalidade dos lares, o programa “Universal Lares”, que dá acesso à Internet em forma gratuita a populações de baixo poder aquisitivo ou os 700.000 computadores que o governo entregou a alunos de ensino primário e secundário.
Por que a indignação com a foto ou colocar o tema como algo muito perigoso? Porque existem condições que não são tão louváveis. Porque se trata de gerar uma “Internet para pobres”, com conteúdos limitados (fala-se de acesso aos sítios que a rede social determinar em acordo com as empresas de telefonia, com as quais já tem acordos comerciais). Então, o que se coloca em risco é a neutralidade da rede1, que determina que o tráfico pela rede não deve ser restringido a conteúdos, sítios ou velocidades dependendo de acordos comerciais. A multinacional Telefónica já fez isso na América quando ofereceu “acesso grátis ao Facebook” em seus pacotes de telefonia e “para acessar a Internet” vendia pacotes de dados; como se acessar a Facebook não se tratasse de acessar a web. Na Índia, desde princípios do ano funciona internet.org, já se levantaram vozes contra e empresas que se retiraram do pacto 2 3 . E no caso concreto do Brasil, a Lei de Marco Civil da Internet 4 é violada, onde, depois de muitos anos de luta das organizações sociais, são consagrados os direitos civis e a neutralidade da rede.
Não podemos permitir que as empresas de telefonia, donas da conexão à web na maioria dos países, determinem a quais sítios (16 na Índia, por exemplo), a qual velocidade ou, o que é pior, a que sítios NÃO podemos acessar. Além da sabida entrega de informação às agências norte-americanas: recordemos a denuncia de Snowden, onde se aponta o Facebook como parte do PRISM 5, programa de espionagem da National Security Agency (NSA), ou a venda de nossa atividade, gostos e costumes a quem depois nos tentarão seduzir com publicidade, chamadas telefônicas ou correios eletrônicos.
Todos deveríamos saber que o barato sai caro…
Enrique Amestoy
Assessor em TIC
@eamestoy on twitter
Membro do CESoL | http://cesol.org.uy
Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)
Fonte: http://www.alainet.org/es/articulo/169111

Nenhum comentário: