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Antonio Carlos Mazzeo*
"Faces sob o sol, os olhos na cruz
Os heróis do bem prosseguem na brisa da manhã.
Vão levar ao Reino dos Minaretes a paz na ponta dos arietes
a conversão para os infiéis..."
(Agnus Sei ) Aldir Blanc
Não é que o cardeal Joseph Alois
Ratzinger por alcunha, Papa Bento XVI, resolveu intrometer-se nas
eleições brasileiras? Ingenuidade de quem pensa que sua intervenção
claramente a favor do candidato reacionário-conservador - apoiado pelos
setores mais retrógrados e obscurantistas da igreja católica e ainda
pela ordem crípto-fascista Opus-Dei e pela TFP - , tenha sido pautada pelas "formulações intelectuais" digamos, modestas, do bispo de Guarulhos, Luis Gonzaga Bergonzini.
Não é novidade a intromissão da igreja
católica na vida política dos países onde possui influência. Vem de uma
tradição milenar sua associação com o poder e, muitas vezes, não
somente como associados participaram diretamente dos destinos políticos
de centenas de nações, o que explica as inúmeras guerras e conflitos
religiosos desde o período medieval até nossos dias. Dos mortos e
torturados cruelmente pela Santa Inquisição, passando por
milhares de camponeses, pequeno-burgueses (huguenotes) assassinados
durante os conflitos entre católicos e protestantes, até os apoios às
ditaduras burguesas e bonapartistas, como as de Mussolini, Franco,
Hitler, Salazar, Vargas, Perón, a ditadura militar-bonapartista
brasileira e tantas outras!
Em rápidas pinceladas, a história recente da igreja católica. Iniciamos pelo cardeal Eugenio Pacelli, conhecido como il tedesco
(o alemão), mais tarde Papa Pio XII. Ninguém nos altos postos do
Vaticano era mais germanófilo. É sabido que Pacelli/ Pio XII apoiou,
direta ou indiretamente, todos as ditaduras fascistas européias,
começando pela de Mussolini, quando abençoou suas tropas que partiam
para invadir a Etiópia, antiga Abissínia. Pacelli/Pio XII, quando
Núncio Apostólico em Berlin, circulava livremente pela chancelaria e em
muito auxiliou a conciliação entre os nazi e as facções burguesas
alemãs. Também é conhecido o silêncio conivente de Pacelli/Pio XII em
relação ao assassinato de milhões de judeus, ciganos, comunistas e
homossexuais nos campos de extermínios nazistas. Pacelli ficou do lado
dos monarquistas na Guerra Civil espanhola, não somente pelo
anticomunismo visceral da igreja católica, mas pela íntima relação
(quase promíscua) do vaticano com a monarquia espanhola, tanto que ao
ser nomeado Papa, já ao final da Guerra Civil Espanhola, Pacelli/Pio
XII saúda o fim do conflito, com a vitória dos monarquistas, Com imenso gozo, em
discurso radiofônico proferido em 18 de abril de 1939. Uma tradicional
relação que ainda continua. Lembremos que, entre 2001 e 2007, 731
pretensas "vítimas" dos republicanos espanhóis durante a Guerra Civil,
foram beatificadas pelos papados de João Paulo II e de Bento XVI, em
que pesem os protestos dos parentes das milhares de vítimas do outro
lado, dos republicanos, e do clero basco que teve muitos de seus
sacerdotes fuzilados pelos franquistas. Na ocasião da beatificação das
498 pretensas "vítimas" dos republicanos, Bento XVI destacou " a
importância do martírio como testemunho de fé numa sociedade
secularizada." (Los Angeles Times de 28/10/2007, Vatican Beatifies 498 Spanish Martyrs)
Sem esquecermos de João Paulo II, o
militante anticomunista, que imiscuiu-se fundamente na vida da Polônia,
apoiando o sindicalista católico-conservador (e quando no poder,
acusado e condenado por corrupção) Lech Walessa, não como cidadão
polonês, mas como "cidadão do céu" (como diria São Pedro, Bíblia Sagrada,Filipenses,
III-20), como Papa e líder religioso. O cardeal Woitila/João Paulo II
não limitou-se a combater o marxismo na Europa. Também aumentou a
ofensiva contra o clero progressista na América Latina , tendo como
fiel escudeiro e mentor intelectual, o cardeal Ratzinger/Bento XVI, na
época, prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, leia-se Tribunal da Santa Inquisição/ Santo Ofício, o
mesmo que torturou e executou barbaramente (seja na fogueira, em azeite
fervente ou esquartejando vivos) milhares de "infiéis". Ratzinger/Bento
XVI, quando dirigia o Tribunal da Santa Inquisição/Santo Ofício/Congregação para Defesa da Fé,
censurou diversas obras ligadas à Teologia da Libertação, como as do
teólogo espanhol Jon Sobrino e a do então frade Leonardo Boff,
condenando-o ao "silêncio obsequioso", termo clerical para designar mordaça à subjetividade social e política.
O cardeal Ratzinger/ Bento XVI, tem uma
longa ficha de serviços ao obscurantismo. Para além de sua controversa
participação na Juventude Hitlerista (da Baviera), que de um modo ou de
outro era uma forma de cooptação forçada de jovens para o
nacional-socialismo, e de ter participado do exército alemão durante a
II Guerra Mundial, algo nada estranho em se tratando de um país em
guerra, Ratzinger destaca-se de fato como sacerdote, ideólogo e teólogo
conservador, reacionário e obscurantista. Chegando ao papado,
aproximou-se da vertente mais atrasada do clero europeu, trazendo de
volta o conhecido para as hostes do Vaticano o fundamentalista católico
francês, cardeal Lefebvre, removendo a censura de excomunhão latae sententiae
a quatro bispos ordenados pelo fundamentalista françês, em total
desacordo com o Concílio Vaticano II. Dentre os bispos lefebvriano,
está o sacerdote inglês que vive na Argentina, Richard Williamson que
nega o Holocausto. Ratzinger/Bento XVI prosseguiu a política de
Woitila/João Paulo II no desmantelamento dos núcleos progressistas e de
esquerda da igreja católica na América Latina e em todo o mundo e para
tal nomeou vários cardeais conservadores, inclusive no Brasil.
A pergunta que fazemos é como uma
pessoa com uma história inequivocamente ligada ao núcleo mais
reacionário e autocrático da igreja católica, que perseguiu e censurou
sacerdotes e leigos em sua instituição religiosa, se arvora em discutir condutas democráticas nas eleições brasileiras?
Além da cara de pau do cardeal Ratzinger/Papa Bento XVI, quero
ressaltar que o Brasil é um país laico, onde vige institucionalmente a
separação entre religião e Estado. Mais grave ainda, é que esse senhor
é chefe de um Estado e, pelas leis internacionais, não deve interferir
em assuntos de outros Estados. Imaginem a tempestade e o alvoroço que
seria em nossa imprensa golpista se um dirigente estrangeiro, como
Chaves, por exemplo, fizesse declarações sobre nosso processo
eleitoral? E mais, Ratzinger/Bento XVI dirige um Estado
teocrático-autocrático, uma plutocracia dirigida por cardeais, onde o
voto não é democrático porque restrito à oligarquia cardinalícia. Com
que autoridade democrática esse senhor pretende imiscuir-se na vida
política nacional?
Que o cardeal Ratzinger/Bento XVI
governe sua teocracia corrupta e interfira em seus problemas
político-religiosos é aceitável. Mais do que isso, convenhamos, é
cinismo cara de pau inconcebível.
*Membro do CC do PCB.
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