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O Ministro da Educação, o senhor
Aloísio Mercadante, se diz surpreso com a deflagração da greve nacional
dos professores universitários federais. É compreensível, primeiro
porque o MEC esteve ausente e omisso durante todo o processo de
negociação ocorrido durante o ano passado e parece desconsiderar a real
situação dos professores e as distorções da atual forma na qual se
estrutura a carreira docente. Vejamos porque para nós a greve não só
não surpreende como se apresenta necessária.
Razões da greve
Há dois anos que os professores
negociam com o governo seu projeto de careira docente e para tanto o
ANDES construiu a partir de um amplo debate com a categoria um
anteprojeto de lei no qual é apresentada nossa proposta de uma
carreira docente única com 13 níveis remuneratórios baseado no tempo de
carreira, na titulação e na avaliação realizada com autonomia e por
critérios objetivos definidos com fundamentos acadêmicos.
A posição do ANDES, que consideramos
correta, é que nossa discussão salarial deveria ser feita com base em
um projeto de carreira, ou seja, não nos interessa a mera discussão de
um índice de aumento salarial ou de recuperação de perdas se não
atacamos as raízes das distorções que dividem nossa carreira e geram
desigualdades injustificáveis entre professores. Por exemplo, na
concepção do governo a carreira dos docentes do ensino público federal
se divide em ensino universitário e do ensino básico, técnico e
tecnológico (que inclui os professores dos Colégios de Aplicação,
ensino técnico de segundo grau, etc.) Sabemos das especificidades
destes setores, mas segundo nossa visão são diferenças de função e não
de profissão, somos professores do ensino público federal com
diferentes atribuições dentro de uma mesma carreira.
Outra divisão, esta dentro do mesmo
campo do ensino universitário, é aquela que compõe nossa atual carreira
e que nos divide em professores auxiliares, adjuntos, assistentes e
titulares, esse último constituindo uma carreira à parte que inclusive
exige novo concurso. Ora, essa distinção se fundamenta e um pressuposto
quase feudal, próprio de um modelo universitário anacrônico e
autoritário em frontal contradição com o modelo de universidade e
sociedade que defendemos. Sua base é a concepção de que existe um grupo
de professores “donos” de certa área ou disciplina e que dão algumas
aulas durante o ano comunicando seus estudos e pesquisas assim como seu
acumulo teórico sobre um tema e são auxiliados por professores que o
circundam como assistentes ou adjuntos e estes por auxiliares numa
hierarquia que implica mais que uma divisão de trabalho uma lógica de
poder.
Isso não faz sentido na realidade da
universidade brasileira que desde a constituição de 1988 em seu artigo
207 estipula a articulação entre ensino, pesquisa e extensão. Na
prática tal conformação divide a categoria em faixas remuneratórias que
funcionam como um funil em que poucos podem chegar ao final da carreira
e as salários maiores e a maioria fica presa nas faixas intermediárias.
Segundo estudo promovido pela ADUFRJ, por exemplo, na UFRJ, mais de 80%
se aposentam como professor adjunto 4.
A proposta inicial do governo criava
mais um patamar que denominou de Professor Sênior, hoje retirada da
proposta, extinguindo a carreira de professor titular, que impunha aos
professores mais quatro degraus até o final da carreira e impunha
critérios que fechava ainda mais a saída do funil.
Durante todo o ano de 2011 o ANDES
acompanhou uma longa e tortuosa enrolação do MPOG que supostamente
deveria debater as propostas apresentadas sobre a carreira buscando
aproximações e diferenças visando chegar a uma proposta negociada. Sob
uma série de pretextos o governo protelou as reuniões, quando não as
desmarcou unilateralmente numa total falta de respeito ao que havia
sido combinado. O fato que chegamos ao final do ano sem que um
milímetro da negociação sobre a carreira docente houvesse sido acordado.
No final do ano passado o governo
apresenta uma proposta emergencial, diante do impasse na negociação,
que consistia basicamente em três pontos: aumento emergencial de 4% a
ser pago seis meses adiante (em março de 2012); incorporação de uma das
gratificações ao vencimento básico (GEMAS para ensino superior e GEDBT
pra o ensino básico, técnico e tecnológico). Até maio deste ano o
governo não havia cumprido sequer o acordo emergencial.
Uma greve em defesa da universidade pública: pela carreira docente, por salários e por melhores condições de trabalho.
O governo apresentou um Projeto Lei que
incluía os termos acordados ao final de 2011 e o transformou em Medida
provisória agora em maio (a MP 568). Ocorre que junto com o aumento de
4% e a incorporação das gratificações, agrega inúmeras medidas
referente à várias categorias do funcionalismo que não foram negociadas
e que pode gerar perdas para os trabalhadores, como é o caso da mudança
do cálculo da insalubridade que afeta diretamente os médicos.
O acordo e seu injustificável atraso é
insuficiente, neste sentido a greve dos professores não é apenas pelo
seu cumprimento, na verdade uma obrigação acordada com o governo, mas
pela imediata abertura de uma negociação séria sobre nossa carreira e
pelo enfrentamento das causas que levam hoje à precarização do trabalho
docente, das condições de trabalho e das instalações universitárias.
Esse aspecto está ligado diretamente à expansão realizada pelo governo
que não veio acompanhada dos recursos necessários para sua
implementação gerando salas de aulas superlotadas, pressões para um
aumento da carga horária dos docentes em sala de aula prejudicando a
relação entre ensino, pesquisa e extensão, falta de professores,
precariedade de instalações.
Vários campus estão funcionando em
espaços cedidos por prefeituras, salas improvisadas, sem laboratórios,
equipamentos e instalações adequadas. Tudo isso tem acarretado vários
problemas que vão desde turmas que estão ameaçadas de não se formar,
como é o caso da medicina de Macaé que não tem hospital para que seus
alunos façam a residência além da carência de professores em várias
disciplinas.
Na verdade o sucateamento da
universidade pública e a maneira como o governo entende o setor revela
uma concepção de Estado que está na base do projeto de governo que se
implantou em nosso país. Vivemos uma contra-reforma do Estado e uma
clara opção pela lógica do mercado e das parcerias público-privadas que
tem por centro e meta principal a formação de superávits primários
sangrando o fundo público para colocá-lo a serviço dos interesses do
grande capital monopolista. Não há uma crise da Universidade Pública, o
que há é uma clara intenção de adaptá-la, destruindo-a, para que sirva
aos interesses da lógica capitalista e do mercado.
Desta forma, o ensino público é
concebido como um serviço oferecido que deve disputar o mercado e seus
“clientes/consumidores” com as demais empresas do setor e para tanto
deve assumir uma lógica gerencial fundada na “eficácia”, entendida como
produzir o serviço com os recursos existentes e ter iniciativa de
captar os recursos adicionais necessários. Daí as Universidades são
incitadas a buscar recursos na iniciativa privada, seja através de
projetos de parceria, financiamento de pesquisa e de desenvolvimento
tecnológico, através de fundações ou outras formas. Para os professores
é pensado uma remuneração básica e uma concorrência entre seus pares no
balcão de projetos e bolsas oferecidas pelas instituições de fomento ou
pelas oportunidades do mercado, o que vem se tornando para boa parte da
categoria a principal fonte de sua remuneração, ou, no mínimo, uma
parte considerável de seus vencimentos.
Além desta prática quebrar a autonomia
universitária e o necessário financiamento público, gera distorções e
diferenças não apenas entre unidades da Universidade, com centros e
unidades com grandes somas de recurso e outras com recursos abaixo do
mínimo necessário, o que se reflete não apenas nas instalações, mas na
própria capacidade de produção de pesquisas, intercâmbios e
visibilidade de sua produção acadêmica e científica; como, também,
entre os professores e sua remuneração.
A situação atual é produto desta opção.
Por isso se explica o abandono de uma política, não de valorização dos
salários, mas mesmo de sua recomposição. Se considerarmos os salários
nominais entre 1998 e 2011 de categorias do serviço público federal que
exigem a mesma formação e que se compõe de atividades similares, como
por exemplo os profissionais de Ciência e Tecnologia e os pesquisadores
do IPEA, temos que em 1998 os professores universitários recebiam R$
3.388,31, os pesquisadores do IPEA R$ 3.128,20 e do MCT recebiam R$
2.6632,36. Em 2011 a situação se inverte de forma que os pesquisadores
do IPEA ganham R$ 12.960,77, em segundo lugar os profissionais do MCT
com R$ 10.350,68, e os professores passaram para a última posição com
R$ 7.333,67, sendo a pior remuneração entre os funcionários públicos
com este nível de formação exigido.
Isso considerando a categoria como um
todo, pois as divisões as quais nos referíamos no interior da carreira
existente e que permanecem na proposta do governo, fazem com que os
aumentos oferecidos concentrem-se no alto da pirâmide e se diluam nas
categorias intermediárias e na base. O secretário de relações do
trabalho do MPOG, Sérgio Mendonça, por exemplo, alega que considerada
no conjunto os professores tiveram reposta a inflação do período
relativo aos governo Lula e Dilma (cerca de 57,1 %). No entanto,
considerando as diferenças, os extratos superiores da carreira, como
professores titulares e assistentes 3 e 4, tiveram em media seus
salários ajustados entorno de 15% acima da inflação, enquanto os
adjuntos, faixa na qual se encontra a maior parte dos professores
inclusive os aposentados, amargam uma defasagem que chega à 40% abaixo
da inflação do período.
Para o governo esse não é um problema
da educação, de uma política para universidade brasileira, mas um
problema de gestão, não é por acaso que o principal negociador durante
todo esse tempo não foi o MEC, um ilustre ausente e omisso nesse
debate, seja com Haddad, seja agora com Mercadante, um político que
traz no nome a marca de seu compromisso, mas o Ministério de
Planejamento.
Os professores universitários são
vistos como uma categoria privilegiada que trabalha pouco e ganha altos
salários e a universidade um antro de maus gestores e de desperdício do
dinheiro público, justificando o controle que rouba a autonomia
universitária, uma limitação de recursos e o destino de completá-los no
mercado e das parcerias, condenando a universidade a se transformar em
uma central de serviços e os professores em mascates de projetos e que
tem, se quiser cumprir os requisitos para ascender na carreira, que dar
aulas (muitas aulas), participar de projetos de extensão, da pesquisa,
da pós-graduação, além de participar dos espaços coletivos de gestão da
vida universitária que se tornam cada vez mais homologatórios e formais.
O resultado disso é o adoecimento dos
professores, a insegurança na carreira que é cada vez mais preterida
roubando dos campos aqueles que poderiam contribuir para uma
universidade pública e de qualidade, uma lógica perversa que sucateia a
universidade pública para oferecer como saída sua mercantilização.
Por tudo isso os professores estão em
greve, na maior greve do último período, pela defesa da Universidade
Pública, pela defesa da carreira docente apresentada pelo ANDES-SN, por
melhores condições de trabalho. Devemos isso ao pais, porque precisamos
de uma universidade pública de qualidade, ainda que lutemos por mais
que isso, para nesta universidade pública também se reflita os
interesses dos trabalhadores e da maioria da população lutando por
aquilo que chamamos da luta por uma Universidade Popular, e, por isso,
a luta por uma Universidade Pública e por uma Universidade Popular é
uma luta pelo socialismo. Devemos isso, também, a nós mesmos, os
professores, porque merecemos respeito e precisamos resgatar nossa
dignidade espezinhada por este governo de burocratas à serviço do
grande capital monopolista que vê na Universidade mais oportunidade de
negócios (como mostra a proposta da Empresa Brasileira de Serviços
Hospitalares- EBSERH); mas, principalmente, devemos isso aos nossos
queridos alunos que merecem uma educação de qualidade e uma verdadeira
aula, aquela que demonstra que é somente no caminho da resistência e da
luta que conquistaremos uma universidade melhor e caminharemos para
superar a lógica do capital que está na base da proposta de
universidade que se implanta.
Nós não podemos impedir que os
exploradores se comportem como tal, da mesma forma que não nos cabe
mudar o comportamento de seus aliados e serviçais que hoje no governo
implementam o desmonte das políticas públicas, do Estado e, portanto,
da Universidade Pública. Mas, podemos e devemos decidir não ser seus
cúmplices e dizer em alto e bom tom: se quiserem destruir a
Universidade Pública terão que fazer sem nosso consentimento, sem nossa
omissão, terão que fazê-lo contra nós e isso não se dará sem luta.
Mauro Iasi é professor
adjunto da Escola de Serviço Social da UFRJ, presidente da ADUFRJ,
pesquisador do NEPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisas Marxistas), do NEP
13 de Maio e membro do Comitê Central do PCB. É autor do livro O dilema de Hamlet: o ser e o não ser da consciência (Boitempo, 2002). Colabora para o Blog da Boitempo mensalmente, às quartas.
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