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Foi furado o “silêncio
ensurdecedor” que o governo e a mídia nos Estados Unidos – assim como
governos e mídias que olham baixo para Washington mundo afora
– guardam a respeito das bombas atômicas de Israel. The New Yorker, um
dos mais conceituados jornais estadunidenses, publicou um artigo de seu
colunista John Cassidy que escancara o problema. Estima entre 100 e 300
o número de bombas estocadas e (mal) escondidas pelo Estado de Israel,
que dispõe igualmente dos aviões e mísseis capazes de levá-las até
alvos no Irã, possivelmente num bombardeio que ele diariamente ameaça
cometer. Pouco antes, Pat Buchanan, renomado político conservador e
conselheiro de vários presidentes, de Nixon a Reagan, fez denuncia
semelhante. “São as 300 ogivas nucleares de Israel que ameaçam o mundo,
não o Irã”, disse ele, entre outras advertências alarmantes. Mas sua
denúncia veio num site alternativo da internet, visto por relativamente
poucos. Já, no New Yorker, é outra coisa. Nada vai mudar por
isso na política hipócrita de Washington, mas já fica difícil para
alguém medianamente informado nos EE.UU. dizer que não sabia dessa
faceta sinistra da política externa dos sucessivos governos de seu
país, há 50 anos.
Clique aqui para ler a entrevista com Buchanan e aqui para ler o artigo no de John Cassidy no New Yorker. Abaixo, compartilhamos a tradução, oferecida em email por Sergio Caldieri.
E sobre as bombas atômicas de Israel?
5/3/2012, John Cassidy, The New Yorker, New York
Caso você tenha esquecido – e não seria
difícil, dado que ninguém jamais fala delas em debates públicos –
Israel tem cerca de cem bombas atômicas, talvez o dobro ou o triplo, e
a capacidade técnica e os equipamentos necessários para dispará-las de
silos subterrâneos, de submarinos e de jatos bombardeiros F-16.
Além do ministro da Defesa de Israel,
pouca gente sabe precisamente quantos mísseis armados com ogivas
nucleares o país tem. Segundo estimativa não secreta divulgada em 1999
pela Agência de Inteligência da Defesa dos EUA, citada num boletim da
Federação dos Cientistas Norte-americanos de 2007, Israel tinha então
entre 60 e 80 ogivas nucleares. Estimativas mais recentes dizem que o
número é consideravelmente maior.
O Instituto de Estudos Estratégicos com
sede em Londres diz que Israel tem “cerca de 200” ogivas nucleares
carregadas em mísseis terra-ar Jericho 1 e Jericho 2 de curto e médio
alcance. Jane, a empresa da Defesa-informação, estima que, no total, o
número de ogivas nucleares esteja entre 100 e 300, o que põe o arsenal
nuclear de Israel lado a lado com a capacidade nuclear de britânicos e
franceses. E muitos acreditam que essas ogivas já estejam carregadas
nos novos mísseis balísticos intercontinentais Jericho 3, que têm
alcance de mais de 7.200km – o que significa que, em teoria, podem
atingir alvos na Europa e na Ásia.
Desde os anos 1960s, quando Israel
construiu sua primeira bomba atômica, governos sucessivos têm-se
recusado a reconhecer a existência do programa israelense de armas
atômicas – posição oficial designada por uma palavra em hebraico, amimut,
que significa “opacidade”, “transparência-zero”. E não se trata só de
Israel reconhecer ou não reconhecer. Israelense que revele detalhes
sobre o programa nacional de bombas atômicas comete crime, pelo qual
pode ser condenado a longas penas de prisão. Em 1986, Mordechai Vanunu,
ex-técnico nuclear, entregou ao Sunday Times de Londres,
fotografias que havia tirado do Centro de Pesquisa Nuclear do Negev,
próximo à cidade de Dimona. Depois de publicada a história de Vanunu,
agentes do Mossad sequestraram-no em Roma, onde passava férias, e o
levaram de volta a Israel. Cumpriu pena de 18 anos de prisão, 11 dos
quais em confinamento (solitária).
Avner Cohen, o historiados
israelense-estadunidense que, em 1998, publicou livro-tese acadêmica
sobre o programa nuclear israelense, Israel and the Bomb [Israel e a Bomba]
teve melhor sorte. Mas, quando voltou a Israel em 2001, para uma
conferência, foi preso e submetido a 50 horas de interrogatório por
agentes de segurança do Ministério da Defesa, que queriam saber sobre
suas fontes e motivações para escrever o livro. E em 2002, Yitzhak
Yaakov, ex-chefe do programa de pesquisa de armas do exército de Israel
recebeu pena de dois anos de suspensão depois de escrever suas
memórias[1]. “Para mim, tudo isso é um pesadelo” – disse Yaakov,
durante seu julgamento. “Acordo pela manhã e lembro que fui
interrogado, acusado de espionagem. Disseram-me que eu era pior que
Vanunu e que minha esposa é Mata Hari.”
Agora que Israel ameaça bombardear o
programa de pesquisas nucleares para finalidades pacíficas do Irã –
porque nem os serviços de inteligência dos EUA acreditam que tenha
evoluído até o estágio de poder tentar construir bombas atômicas,
segundo o Times[2] – a encenação continua. Considerem
a entrevista que Benjamin Netanyahu concedeu em 2010 a meu ex-colega
Jeffrey Goldberg, publicada em The Atlantic:
Netanyahu não poria a questão em temos de paridade nuclear – a política israelense do amimut (opacidade,
transparência zero) proíbe reconhecer a existência do arsenal nuclear
israelense, de mais de 100 bombas atômicas, bombas termonucleares de
dois estágios, que podem ser disparadas por mísseis, aviões
bombardeiros ou submarinos (dois dos quais, segundo fontes da
inteligência estão atualmente posicionados no Golfo Persa). Em vez
disso, preferiu falar sobre o programa iraniano como uma ameaça não só
a Israel, mas a toda a civilização ocidental.[3]
Evidentemente, o governo de Israel tem
pleno direito de formular como lhe apraza suas políticas, considerados
os interesses do país. E, também evidentemente, os EUA devem fazer o
mesmo. Em seu discurso ao AIPAC, ontem, o presidente Obama disse o
seguinte:
Um Irã nuclear é completamente
contrário aos interesses da segurança de Israel. Mas também é contrário
aos interesses da segurança nacional dos EUA. Na verdade, todo o mundo
tem interesse em impedir que o Irã chegue a uma arma nuclear. Um Irã
armado com arma nuclear poria abaixo todo o regime de não proliferação
que tanto nos custou construir. Há riscos de que uma arma nuclear
iraniana caia em mãos de alguma organização terrorista. É quase certo
que outros, na região, sentir-se-ão obrigados a ter sua própria arma
nuclear, o que dispararia uma corrida armamentista numa das regiões
mais voláteis do mundo.[4]
E em todo aquele longo discurso, nem
uma vez houve qualquer menção às bombas atômicas israelenses, nem à
persistente recusa, por Israel, a assinar o Tratado de Não Proliferação
Nuclear (do qual o Irã é signatário). Algum presidente dos EUA algum
dia reconheceu publicamente a existência das bombas atômicas de Israel?
Em seu livro mais recente, The Worse Kept Secret: Israel’s Bargain with the Bomb [O segredo mais mal guardado: a barganha de Israel com a bomba],[5]
Avner Cohen refere-se a um encontro, em setembro de 1969, entre o
presidente Richard Nixon e Golda Meir sobre as bombas atômicas
clandestinas de Israel.
Nenhum registro escrito ou testemunho
oral sobre o que se disse naquele encontro sobreviveu, que se conheça;
e o que os líderes disseram naquela reunião permanece cercado do mais
denso mistério. Em retrospectiva, pode-se dizer que naquele encontro
foi instituído o amimut como posição estratégica apoiada mútua
e simultaneamente por Israel e EUA. O encontro Nixon-Meir marca o local
e data do nascimento da barganha.
Num momento em que o lobby nos
EUA, com a cooperação dos candidatos Republicanos, pressiona o
governo estadunidense para que apoie a linha dura de Netanyahu contra o
Irã, talvez seja hora de reavaliar aquela barganha. Nem é preciso mudar
muito. O regime de Teerã é profundamente antipático, e muitos de nossos
outros aliados, incluídos a Grã-Bretanha, França e Arábia Saudita,
também estão decididos a impedir que se una ao clube atômico. Mas
reconhecer publicamente o que todos sabem sobre Israel – que, sim, é
uma das potências nucleares do planeta – teria a grande vantagem de
salvar os EUA, tirando-o da posição vulnerável em que está,
repetidamente acusado de servir-se de dois pesos e duas medidas, no
relacionamento com o Irã.
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