
John Kozy*, Global Research
Traduzido por mberublue
“O líder do mundo livre” – é assim que os EUA gostam de chamar a si
mesmos. Difícil atinar por que alguém acreditaria. Obviamente, as
pessoas não são, por aqui, mais livres que em qualquer outra nação.
Pergunte a um americano no que ele seria “mais livre” que qualquer
cidadão da Holanda para fazer o que quiser; não espere nem conte com
ouvir resposta muito significativa. Levando-se em conta apenas o tamanho
do PIB, claro que os EUA são uma grande economia; nesse sentido,
trata-se, afinal, de um grande país. Apenas Canadá e Rússia são
maiores em extensão territorial, mas com populações menores. E os
Estados Unidos nem são assim tão bem governados, lá que se diga!
Enquanto uma minoria de americanos é obscenamente rica, outros mal
ganham o suficiente para sobreviver. Embora a nação como um todo seja
evidentemente próspera, grande parte da população é muito pobre. O
poderio militar dos EUA é enorme; mas as vitórias militares, ínfimas!
Henry Kissinger certa vez disse que :
(...) em minha vida, vi quatro guerras que começaram com grande
entusiasmo e apoio público; em nenhuma delas sabíamos como terminar; e
de três delas nos retiramos unilateralmente.
Perderam essas guerras. Mas não, ninguém “perde” guerras: o derrotado
“retira-se unilateralmente”. Significa que um lado abandona a guerra
sem pedir autorização para sair: isso, precisamente, significa
“retirar-se unilateralmente”. Essas guerras, como soldados velhos,
acabam, e pronto.
Umair Haque, Diretor do Havas Media Labs, e tido pela revista Thinkers50 como um dos mais influentes pensadores de gestão-management do mundo, escreveu na Harvard Business Review a seguinte descrição dos Estados Unidos contemporâneos:
Os Estados Unidos são ricos em quê? Começam a parecer pobres,
para as pessoas comuns. A infraestrutura dos EUA está ruindo. O sistema
educacional dos EUA educa mal. O sistema de saúde dos EUA é simplesmente
inexistente. Posso atravessar a Europa por trem de alta velocidade em
oito horas; mal consigo ir de Washington a Boston em nove. Pior que
isso: os EUA estão estragando seus suprimentos de água e comida mediante
o envenenamento ininterrupto por energia poluente, enquanto o resto do
mundo rico está trocando essa energia por outro tipo, renovável. Os
Estados Unidos são flagrantemente deficitários em todos os serviços
públicos de educação, saúde, transporte, energia, infraestrutura, para
não dizer de outros, raramente listados, mas não menos importantes:
parques, centros comunitários e serviços sociais.
Assim, mesmo dizendo ser o líder do mundo livre e enquanto tenta
ensinar ao mundo como governar, quando os EUA se olham para eles mesmos –
o que só muito raramente fazem – veem um consumado idiota.
A política implementada continuará a mesma, por mais persistentemente
se prove ser errada e ineficiente. A “guerra às drogas”, iniciada em
1971, tem sido tão desastrosa que vários estados já legalizaram
substâncias ainda proibidas pelo governo federal. A dependência viciosa a
políticas econômicas há tempos desacreditadas quebrou o mundo duas
vezes nos últimos setenta anos. As ruas dos Estados Unidos viraram campo
de batalha, porque não há via pela qual o país consiga derrotar o lobby da indústria de armas e não há meio que leve a aprovar qualquer medida que limite a propriedade de armas.
Por muito que os EUA sejam tolos nas políticas internas, é no trato
com outros países que o horror aparece mais pleno. Considere-se, por
exemplo, a política de chantagear outros países, para fazerem o que não
querem fazer, mas interessa aos EUA que façam, usando, como arma de
chantagem, as chamadas “sanções econômicas”.
Aplicar sanções é uma modalidade de guerra econômica e, como guerra
real que é, os dois lados em luta sofrem baixas, sempre que um lado
aplica sanções as quais, em teoria, deveriam ter efeito exclusivamente
contra o outro lado.
Já se aplicaram e aplicam-se hoje sanções em, pelo menos, 25
“conflitos” internacionais. Nada, na lista do Departamento do Tesouro
dos EUA, indica que a meta estabelecida teria sido alcançada. Hoje, há
sanções vigentes aplicadas pelos EUA contra sete países: Cuba (desde
1960), Irã (1979), Myanmar (1997), Coréia do Norte (1993), Costa do
Marfim (2006), Síria (2012) e Rússia (2014).
Ora! E não se trata de clara lista de potências econômicas? Pois até a
publicação deste artigo, por várias e boas razões, os EUA não
conseguiram nenhuma das metas a que visavam com a imposição dessas
sanções.
A prática de impor sanções contra nações cujos atos desagradem aos
EUA é política orientada para objetivos ou tolos ou infames. É prática
que visa a destruir a soberania de outras nações. Tanto quanto sei, até
hoje os EUA nada conseguiram, desses objetivos, servindo-se de sanções.
Os EUA são nação narcisista que só enxerga o próprio reflexo em seja
qual for a superfície para a qual olhe. A húbris norte americana faz os
norte-americanos crerem que o mundo inteiro teria de operar como os EUA
operam.
Assim sendo, dado que desde o nascimento da nação a corrupção gerada e
alimentada pelos mercadores e pela classe mercantil predomina na
política econômica dos EUA, impondo as políticas nacionais, os norte
americanos creem que a classe mercantil de outras nações também teriam o
poder e a força para mandar e desmandar no plano político e na
construção das políticas. Obviamente isso nem sempre acontece. Em Cuba e
na Coréia do Norte a classe mercantil praticamente inexiste. No Irã,
está submetida às ordens dos aiatolás; em Myanmar e na Costa do Marfim, o
controle é exercido totalmente pelos dirigentes corruptos. Quanto à
Síria e à Rússia, o relacionamento entre o governo e a classe mercantil é
no mínimo ambíguo.
Impor sanções contra essas nações pode causar algum abalo em suas
economias, sim; mas é pouco provável que cause qualquer grave efeito
contra os seus respectivos governos.
Para que as sanções levem ao resultado que os EUA esperam delas, é
indispensável que se configurem algumas condições necessárias. Em
primeiro lugar, a nação sancionada tem de ter grande classe mercantil,
com poder suficiente para influenciar o próprio governo do país. O
governo tem de ser atento e preocupado com atender bem às necessidades
da classe mercantil.
Em segundo lugar, não se sanciona país que tenha ou dívida
internacional muito pequena, ou carteira de comércio internacional muito
grande. Em nada ajuda o governo de um país dizer aos seus comerciantes
que não podem fazer negócios com outra nação, com a qual eles já não
tenham comércio. Mas dizer aos próprios comerciantes que interrompam o
comércio com determinada nação, com a qual eles têm substancial
negociação e muitos interesses, pode vir a ser economicamente mais
prejudicial para a nação que sanciona, que para a nação sancionada.
Em terceiro lugar, restam as nações com comércio internacional médio.
Alguns danos podem ser causados, se se sancionam essas nações, mas não
serão danos suficientes para forçar o país a mudar na direção em que
interessa aos EUA que o país mudem. Tais sanções raramente são
bem-sucedidas. E o que acontece quando esse tipo de sanção é tentado e
falha? Muitas vezes, esses fracassos levam à guerra.
Apenas um ano após os Estados Unidos sancionarem Cuba, o país foi invadido por um grupo paramilitar patrocinado pela CIA.
Oito bombardeios B-26 fornecidos pela CIA atacaram os campos aéreos cubanos. Na noite seguinte, os invasores desembarcaram na Baía dos Porcos.
Os norte-americanos supunham que o povo cubano se levantaria e
derrubaria o governo Castro. Em vez disso, viram o exército cubano
cercar e prender os invasores norte-americanos, em apenas três dias. A
invasão foi fracasso escandalosamente vergonhoso para os EUA. Em grande
parte da América Latina e do mundo, comemorou-se ali a falibilidade do
imperialismo dos Estados Unidos.
Pois, apesar do fracasso escandalosamente vergonhoso, ante o povo cubano, os EUA, ali, “inauguraram” a guerra de sanções.
Desde então os norte americanos têm feito guerra, às vezes sem aviso
ou conhecimento, em numerosos lugares onde as sanções falharam: Bálcãs,
Iraque, Líbano, Líbia, Somália, Sudão (e mais outra longa lista de
potências econômicas).
E, quando as sanções falham pela primeira vez, e vêm as sanções; e as
sanções falham, e vem a guerra; e, ainda depois da guerra, vêm mais e
novas sanções... o absurdo é flagrante.
Nesse momento do processo, a política de guerra dos EUA evolui para a política de assassinatos dos EUA.
Talvez o propósito das sanções, das guerras que acompanham as
sanções, e dos assassinatos que vêm subsequentes, não seja alcançar
algum sucesso, nem provocar mudanças. Todo o programa é absurdo, mas
repete-se tanto, tão pontualmente, há tanto tempo, que tem de haver
alguma explicação. Uma possibilidade para chegar a alguma explicação
razoável talvez se possa extrair de um exame atento do sistema penal
americano.
Toda sociedade tem cidadãos que, de tempos em tempos, põem em risco
outros cidadãos. Eventualmente, esses indivíduos podem pôr em risco a
própria existência da sociedade como tal. Em sociedades primitivas, esse
pessoal daninho é ou extirpado ou banido ou exilado. Na infância
histórica dos Estados Unidos, essa forma de punição foi usada pelos
puritanos, quando exilaram Roger Williams (fundador de Rhode Island e da
Primeira Igreja Batista). A teologia de Williams colocava em risco a
unidade religiosa da sociedade puritana.
Sob vários aspectos, o atual sistema penal é mais duro e desumano com
os inconformados, que a antiga pena de exílio. Mas o problema é que vai
ficando cada dia mais difícil encontrar lugares para onde exilar
alguém; e acabou por prevalecer o sistema penal atualmente vigente, de
encarceramento. E tudo se complicou muito.
Em vez de simplesmente remover cidadãos que apresentam perigo para a
sociedade, o povo começou a usar as próprias prisões como forma de
punição: isso, precisamente, é o que são as prisões como as conhecemos
hoje. Quando a vítima (ou o juiz) diz: “quero que seja feita a justiça”
ele/ela está dizendo que quer que o criminoso “pague”. Então, os
perpetradores de crimes pagam o preço de se deixar aprisionados pela
sociedade; e a sociedade paga o preço de manter todo o sistema penal. É
um preço pago tanto pelos criminosos, quanto pelos cidadãos que
respeitam a lei. O intuito do sistema penal é meramente punitivo,
independente do custo. Não há outra função.
Nunca houve qualquer resultado favorável aos Estados Unidos oriundo
das sanções contra Cuba e a Baía dos Porcos, mas isso não importa. O
povo de Cuba está sendo punido há mais de meio século, por não se ter
levantado em revolta e derrubado o governo de Castro em 1961. No Iraque,
o povo iraquiano é castigado pelo governo Obama, pelas ações de Saddam
Hussein. Assim também, o povo afegão está sendo punido porque o governo
afegão não entregou Osama Bin Laden aos EUA quando lhe foi “ordenado”,
para ser “julgado” por ter – supostamente – planejado o incidente de
11/9. Não importa que esse castigo tenha custado e continue a custar
também muito caro aos Estados Unidos. O custo dos castigos não vem ao
caso. Não apenas não é importante o custo da punição, como também é
irrelevante que povo será punido...
O mundo ocidental continua, até hoje, a castigar os palestinos, pelo
holocausto de judeus europeus assassinados por europeus da Europa
ocidental!
Essa política não é exclusividade dos EUA
Os EUA só continuam a aplicar essa política “de sanções”, porque seus
fracassos são anotados como sucessos. O princípio que rege essas
operações “de sanções” é deixar claro que quem não “respeite’” (no
sentido de “obedeça servilmente”) os EUA, desencadeará sobre a própria
cabeça fúria tão violenta e avassaladora que faria tremer de medo o
demônio.
[*] John Kozy é professor
aposentado de Lógica e Filosofia, que escreve sobre questões sociais,
políticas e econômicas. Depois de servir no exército dos EUA durante a
guerra da Coréia, viveu 20 anos como professor universitário e outros 20
como escritor. Seus trabalhos online podem ser encontrados no blog.
http://redecastorphoto.blogspot.com.br/2014/05/guerras-assassinatos-e-sancoes.html
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